sábado, 15 de março de 2008

E os professores... o que pensam de sua secretária?

GdS – Grupo de Sábado[1] – Escrito fevereiro-março de 2008

www.grupodesabado.blogspot.com

Já nos acostumamos, isso não quer dizer que concordamos, a receber notícias da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEESP) quando tudo já foi resolvido sem nos consultar. Mais uma vez decidiram os rumos para “melhorar a qualidade da educação” sem ouvir os que realmente tem a responsabilidade de pô-la em prática.

Mesmo assim, não deixamos de trabalhar, de lutar por uma educação melhor, de acreditar que se pode avançar. E assim seguimos em frente, trabalhando com classes superlotadas de alunos, com um salário que nos obriga a triplicar a jornada de trabalho e tudo o mais.

Mas já passou da hora de começarmos a “colocar a boca no trombone”, pois agora estamos começando a pensar colaborativamente, em grupos, oficiais ou extra oficiais, espalhados pelo estado, parece-nos um bom momento para começar... Mas será que seremos ouvidos? Será que a SEESP está interessada em conhecer nossas propostas de melhoria do ensino? Ou, mais uma vez, prefere contratar especialistas que nos digam o que e como devemos agir em sala aula?

A edição 2047 da revista Veja, de fevereiro 2008, publicou uma reportagem da nossa atual secretária de educação na qual ela concede uma entrevista para esclarecer a nova estratégia para melhorar a qualidade da educação, a qual prevê a distribuição de um bônus a todos os funcionários das escolas, de acordo com os resultados obtidos em avaliações de rendimento a serem aplicadas pela SEESP.

Olha... com o salário que ganhamos, um bônus é sempre bom! É com ele que conseguimos comprar livros e realizar alguns míseros sonhos... Mas muitas questões precisam ser esclarecidas...

Quando a secretária afirma, em sua entrevista, ter criado um indicador para aferir a situação atual de cada escola e, com base nele, estabelecer metas concretas, concordamos que há necessidade dessa medida e que é muito pertinente que as metas estejam de acordo com as condições de cada escola. Entretanto, discordamos quando afirma que “o desempenho dos alunos em provas aplicadas pela própria secretaria terá o maior peso” por ser este “um excelente medidor do sucesso acadêmico de uma escola”. Entendemos que se faz necessário realizar também uma análise qualitativa e diferenciada, considerando a realidade de cada escola. Além disso, os professores e gestores escolares também precisam ser ouvidos e envolvidos neste processo.

Mas este não é o maior problema. O que nos deixa mais indignados é a decisão de que “só as escolas que conseguirem melhorar nas estatísticas vão receber mais dinheiro”. Mais uma vez, como toda proposta apresentada pelo Estado, essa esbarra na questão da avaliação, neste caso, não só do aluno, mas do professor, considerado pela secretária como “professor ruim, desinteressado ou que mal aparece na escola”.

Fazendo uma analogia com a medicina, não é para os doentes que devemos dar remédio? Porque então premiar as boas escolas e não mandar verba para aquelas que não atingirem as metas? Não serão exatamente estas as que necessitam de maior investimento? Não serão seus alunos os mais prejudicados, caso esse investimento não chegue a eles? Afinal, o que terá sido medido será o seu desempenho, o qual não terá atingido as metas propostas pela secretaria de educação!!!

Querendo “des-culpar” o Estado de São Paulo pelo fracasso do ensino público paulista, que se prolonga há anos, a secretária insinua que os principais responsável pela situação são “os próprios professores, muitos dos quais incapacitados para dar uma boa aula” e destaca ainda que “a falta de professores preparados para desempenhar a função é, afinal, um mal crônico do sistema educacional brasileiro”. A secretária esquece que quem é responsável pela seleção criteriosa de professores, pela sua permanência na carreira em condições dignas de trabalho e salário, e pelo desenvolvimento profissional dos mesmos... é o próprio Estado com suas políticas públicas.

São muitos pontos a serem discutidos antes de criticar os professores e dizer que vai premiar apenas os “bons”. E o que a senhora Maria Helena pretende fazer com os professores que forem classificados como pertencentes a “zona de mediocridade”? Manter o mesmo tipo de formação continuada que até agora nenhum resultado positivo obteve?

E a responsabilidade do Estado não termina por ai. Ouvimos dizer que foi dada demasiada autonomia às escolas e isso tem gerado a atual situação da escola pública. A secretária aqui parece confundir autonomia com abandono do Estado com relação aos seus compromissos com o bem estar e o bom funcionamento das escolas, de modo que estas possam, de fato, cumprir sua função social de educar as crianças e os jovens.

Da forma como tem sido exposto pela secretária, parece que o excesso de professores “incapacitados” não tem nada a ver com a política de gerenciamento da rede, que joga professores recém-formados para iniciar sozinhos seu trabalho, sem apoio, sendo-lhes geralmente atribuídas as classes mais problemáticas da escola; que investe apenas numa formação continuada “encaixotada” e contrata mais gente para fiscalizar e policiar os sujeitos da escola do que para construir com os professores uma proposta que atenda às suas necessidades e a de seus alunos; que não reconhece os esforços de professores que buscam outro tipo de formação, produzindo e participando de congressos e seminários, mesmo não sendo liberados para tal; que não incentiva esse professor a produzir material próprio e a promover a renovação curricular a partir da escola.

A entrevista da Secretária de Educação de SP parece ter agradado muito a mídia. O artigo de Dimenstein, na Folha , também é concordante e acha que a solução importada dos EUA e Inglaterra pode ser a panacéia para salvar a escola pública paulista... A proposta de premiação das escolas, cujos alunos apresentarem bom rendimento nas avaliações como o SARESP, não passa de um paliativo e assemelha-se àquela história do camponês que, para fazer seu burro teimoso a andar, colocava uma espiga de milho à sua frente. Mas o pobre burro, por mais depressa que andasse, somente receberia seu prêmio quando chegasse ao lugar que seu dono queria. Ou seja, essa premiação - que pode representar até 25% de aumento do salário do professor - não passa de uma motivação extrínseca cujos efeitos serão provisórios e efêmeros. Funcionarão por um tempo, correspondente à gestão de um governo, atendendo, assim, a uma política de resultados, como lembra Saviani.

É fato que as primeiras pesquisas sobre esse sistema de premiação, nos EUA e Inglaterra, mostram que os efeitos são positivos. Mas a Secretária ignora - ou omite propositadamente – o que verificaram outras pesquisas de natureza qualitativa abrangendo um período de tempo superior a dois anos. Essas pesquisas mostram que efeitos provocados por motivações extrínsecas como as que foram adotadas, tendem, a longo prazo, a decrescer ou estabilizar-se.

Muitos professores não se sujeitarão a correr atrás da espiga de milho. O que acontecerá com eles? Serão expulsos da escola por aqueles que decidem participar da corrida ao milho?

Diante do parco salário que recebemos, o bônus é sempre bem vindo. Mas o problema é que, sendo esta uma motivação extrínseca, a opção de como caminhar - e em que direção - não será uma opção construída pelo coletivo dos professores ou pelas próprias escolas...

A Secretaria, ao enviar pacotes prontos de aulas ou de roteiros de aulas – vejam, por exemplo, o material enviado pelo projeto "São Paulo Faz Escola", chamado pela própria secretária de recuperação intensiva, o material da "quaresma" como se referem os professores de nosso grupo - apresenta indícios de que esta Secretaria não confia na capacidade intelectual de seus professores e, por isso, homogeneíza e padroniza um tratamento de recuperação comum a todos os alunos do Estado.

Os professores e as escolas também não terão o direito de avaliar seu caminho na implementação das mudanças sugeridas pela SEESP. Como diz a Secretária, os medidores do rendimento escolar serão objetivos, isto significa que serão externos e controlados por técnicos contratados pela SEESP, sem que os professores sejam ouvidos. Isso tornará as relações inter-pessoais nas escolas ainda mais complicadas e será, certamente, um fator a mais para aumentar o estresse e o mal estar docente.

A comunicação da SEESP, com as unidades escolares é precária. Afirmamos isso, pois se dissermos que os professores não foram consultados para a elaboração da Proposta Curricular, a Secretaria terá o argumento de que tudo foi disponibilizado no site "São Paulo Faz Escola" e que os professores é que não aderiram ao Projeto. Mas ela não apontará o fato de que a burocracia trava o trabalho pedagógico e mata a vontade de "colaborar" com a Secretaria. Professores do grupo de sábado tentaram compartilhar experiências de sala de aula, mas, tudo se perdeu a partir da burocracia encontrada na Direção Escolar. Que professor da rede estadual sabia dessa consulta?? Discutimos isso no nosso grupo de estudo, pois tentamos buscar. Entretanto, a grande maioria de nossos colegas sequer soube da abertura do espaço no site. Isso não chega às escolas, não é pauta de reuniões e discussões das escolas com as Diretorias Regionais de Ensino, assim como não tem sido também divulgadas essas entrevistas e as recentes decisões da secretaria. Esse artigo é uma tentativa do grupo em levar essa discussão para dentro das escolas.

Não fazemos críticas apenas para apontar os erros. Devido à experiência acumulada, após quase dez anos de grupo de estudo e pesquisa, temos propostas e queremos compartilhá-las e discuti-las com os demais professores.

Acreditamos que a SEESP poderia lançar mão de uma motivação intrínseca, a qual consiste em convocar as escolas e professores para que eles próprios elaborem e apresentem projetos de melhoria do ensino na escola... As universidades poderiam colaborar neste processo, mobilizando formadores de professores e futuros professores num trabalho de parceria.

A avaliação dos resultados disso pode ser muito mais ampla do que aquela que está sendo proposta... As escolas que tiverem seus projetos aceitos receberiam a ajuda financeira ao longo do ano de implementação. Ao concluir o primeiro ano, duas avaliações seriam então realizadas: uma interna – desenvolvida pelos próprios docentes e gestores da escola – e outra externa, sob responsabilidade da SEESP (SARESP, por exemplo). E, no caso da avaliação ser positiva, seu projeto seria novamente contemplado com mais um ano de financiamento do projeto de melhoria concebido pela escola. Os efeitos resultantes dessa modalidade de trabalho coletivo e colaborativo na escola, como mostram Hargreaves e estudos recentes realizados pelos Grupos GEPEC, PRAPEM e GdS da Unicamp, são mais consistentes e duradouros, pois promovem mudanças tanto em relação à melhoria do ensino quanto da cultura escolar e do desenvolvimento profissional dos professores. Os professores, nesta alternativa, deixam de ser meros objetos das mudanças pretendidas por agentes externos e passam a ser os próprios sujeitos ou protagonistas da transformação da escola e da melhoria da aprendizagem dos alunos.

Mas a SEESP certamente não concordará com esta proposta, pois esta estaria na contra-mão das políticas neo-liberais que defendem a minimização de custos, a padronização de conhecimentos e competências e o não-comprometimento do governo com a formação inicial e continuada de professores, objetivando uma sólida formação teórica e autonomia profissional. Por isso o desejo da Secretária em fechar cursos de Pedagogia como o da Unicamp e da USP.

Mudam os secretários, mas não muda a forma de pensar. Todos acreditam que podem fazer isso sozinhos, ou com seus especialistas de gabinete!!!

Mais uma vez nos sentimos injustiçados e desmotivados em relação à questão salarial. Sabemos que é um prazo curto para taparmos "buraco" formado com a ajuda de políticas educacionais estabelecidas pelo mesmo sistema que somente agora, em ano eleitoral, parece estar preocupado com a melhoria do ensino.

Precisamos estabelecer um caminho de comunicação "real" para que nossa opinião, nosso trabalho e nossa realidade sejam conhecidos e re-conhecidos. Que tal a Sra. Secretária passar uma manhã conosco, em uma das escolas estaduais de periferia de nossas cidades. Certamente ela encontraria melhores soluções educacionais voltadas a nossa realidade do que importando modelos de outros paises.



[1] "O GdS é um Subgrupo do PRAPEM-CEMPEM (Prática Pedagógica em Matemática - Círculo de Estudo Memória e Pesquisa em Educação Matemática) da FE/unicamp que se reúne quinzenalmente, aos sábados pela manhã, das 9h às 12h, para estudar, compartilhar, discutir, investigar e escrever sobre a prática pedagógica em matemática nas escolas em um ambiente de trabalho colaborativo que congrega professores de Matemática do Ensino Fundamental e Médio e docentes da Área de Educação Matemática da FE/Unicamp."

3 comentários:

Lilian disse...

Olá pessoal,
soube do grupo de vcs porque este texto circulou na lista da pós da FE-USP. Muito bom saber que vcs além de se encontrarem estão colocando seus depoimentos, reflexões e conclusões disponíveis para todos. Acho que é mais que tempo dos professores fazerem circular mais sua leituras sobre as dificuldades (e os sucessos) das escolas, pois a lacuna dessas vozes é sempre preenchida por gente que acha que "sabe mais", em geral gente distante da escola.
Tudo de bom,
Lilian

Anônimo disse...

Alô pessoal ! Colocamos a matéria veiculada por vocês no nosso Portal (www.e-educador.com). Somos da rede pública e conte com a gente ! Precisamos acabar com esta arrogância da turma do Paulo Renato de Sousa ...

Anônimo disse...

Muito legal o artigo, parabéns professores por usarem esse espaço para expressarem as vozes dos verdadeiros agentes da educação do estado de SP.
[]´s
Suzana Lima Passareli - SP
PEBII - SEESP